QUANDO ATENDEMOS OS DESAFIOS COM FÉ
"Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio"( Jo 20.21)
1) A realidade para a qual somos enviados
Eu me propus a escrever sobre as grandes comissões, e o fiz, apontando o desafio e comissionamento que Jesus fez dos discípulos em Mateus, Marcos e Lucas. Queremos ver agora este comissionamento em João, começando com João 20.26, mas, antes, vejamos a que contexto somos enviados.
Neste momento, o grande tema é a Copa do Mundo. Nós, brasileiros, ficamos anestesiados para tudo mais; o que interessa é a Copa do Mundo, a seleção brasileira. Entramos todos numa alienação coletiva da vida; por causa desse clima, já tive de cancelar duas reuniões, sob pena de não ter "quorum."
Enquanto isso, as chuvas castigam o nordeste brasileiro, algumas cidades foram arrasadas, uma delas, Branquinho, quase desapareceu do mapa. Na maioria dos casos, são os pobres os que mais sofrem as conseqüências. Foi assim no morro do Bumba em Niterói, e é agora no Nordeste. Na África do Sul, as grandes construções para a Copa do Mundo mascaram a profunda miséria em que vive a maioria da população. O Haiti segue em miséria, ainda que tenha despertado compaixão e solidariedade muito além do costumeiro. É a este mundo desigual e sofrido que somos enviados.
2) Entre o envio de Jesus ao nosso mundo - considerações bíblicas em João
O envio dos Apóstolos e da Igreja em João 20.21 é uma consequência natural do envio de Jesus
a este mundo: "Veio para o que era seu, e os seus não o receberam. Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, a saber: aos que creem no seu nome [...] E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai." (Jo 1.11-12 e 14).
O mundo que rejeitou a Jesus segue de outras formas rejeitando-o. Cabe a nós diminuir essa rejeição.
O ministério de Jesus foi uma caminhada constante em direção às pessoas, com o anúncio do Reino, com compaixão e com serviço.
Do comissionamento de Jesus por parte do Pai (Jo 4.34-35): Jesus viu seu comissionamento por Deus para a obra da evangelização do povo como uma prioridade, sua paixão. Era, como diz o texto, seu alimento. No fim de seu ministério, Jesus se regozija em ter feito essa obra: "Eu te glorifiquei na terra, consumando a obra que me confiaste para fazer."( Jo 17.4).
Assim, vou sublinhar aqui o modo como Jesus assumiu seu envio pelo Pai, segundo João, sempre numa breve menção ao texto.
a) Jesus - um cidadão do povo (Jo 2.1-12)
As bodas de Caná, que só João narra, é um épico nada vulgar, pois Jesus participa de uma festa que durava uma semana. Hoje, estamos tão ocupados que não temos tempo para estar juntos com o povo, celebrar. Aqui, entra a capacidade e simplicidade de Jesus em envolver-se com o povo; o milagre flui da vida de Jesus com o povo, nada é programado, mas acontece.
b) Confrontando os teólogos (Jo 3.1-15)
A visita de Nicodemos é ilustrativa da dificuldade que a religião judaica teve de entender e perceber a vinda de Jesus ao mundo. Os passos de Deus estavam determinados na teologia judaica, de como seria o Messias, etc. Jesus rompe com isso. Nicodemos quer as coisas de Deus a seu jeito; quando Jesus apresenta a abordagem espiritual, mas com um efeito decisivo e frutífero na vida física, material, Nicodemos fica confuso. O novo nascimento é uma mudança de foco, uma nova verdade vinda de Deus, toma conta da vida humana, não mais escravos das paixões da carne, mas nascidos do Espírito Santo. Paulo ilustra isso com as seguintes palavras: "Se habita em vós o Espírito daquele que ressuscitou a Jesus dentre os mortos, esse mesmo que ressuscitou a Cristo Jesus dentre os mortos vivificará também os vossos corpos mortais, por meio do seu Espírito, que em vós habita.." (Rm 8.11).
c) Solidário com os marginalizados (Jo 4.1-18)
Para Jesus, não há grandes pecados ou grandes pecadores, ou mesmo pequenos pecados e pequenos pecadores. O texto da mulher samaritana é uma ilustração disso. Ele mostra uma situação inusitada: um homem respeitado conversando com uma mulher. A situação é ainda mais inusitada pelo fato de a mulher ser uma samaritana. Jesus sempre surpreendeu, quebrando inúmeros preconceitos. É o que nós vemos pela reação dos discípulos: "Nesse ponto chegaram os seus discípulos e se admiraram de que estivesse falando com uma mulher; todavia nenhum lhe disse: Que perguntas? Ou: Por que falas com ela?" (João 4.27).
Além da ruptura de preconceitos, Jesus nos apresenta uma estratégia de evangelização, ao se aproximar de uma pessoa que nenhum profeta abordaria. Principalmente, porque sua reputação não era boa. Ela foi ao poço de Jacó ao meio-dia (a hora sexta era a metade de um dia de doze horas), e não era essa a hora em que as mulheres de Sicar deveriam buscar água. As outras mulheres buscariam água bem cedo, pela manhã, enquanto ela estava ali naquele horário por causa da rejeição que sofria das outras.
Mas foi justamente a ela que se dirigiu Jesus, aplicando o que está escrito em outro Evangelho: "Porque o Filho do homem veio buscar e salvar o perdido." (Lucas 19.10).
Diante do compromisso de incluir a mulher samaritana, transformando-a numa apóstola, enviada à sua aldeia de Sicar, está a lição: há lugar para todos que recebem Jesus no Reino de Deus, e há um compromisso missionário para todos os discípulos e discípulas de Jesus. É nesse contato humano, como o de Jesus com essa mulher, que se realiza o discipulado. Houve, ali, anúncio, ensino, comunhão e envio, ou seja, o discipulado.
3) Conclusão - Nosso Comissionamento
O quadro que temos no Brasil, tanto no campo religioso como no político e moral, desencoraja qualquer otimista; mas não deve desencorajar homens e mulheres de fé. Fico desolado ao ouvir colegas de ministério expressarem-se acerca da igreja, do povo, da missão com tristeza e pessimismo. O pior é quando passamos ao povo esses sentimentos de pessimismo, incredulidade e dúvidas, através de nossas mensagens. Nosso povo vai atuar na missão na medida da nossa fé. Se crermos em nosso coração em um Deus que move montanhas, seremos capazes de mobilizar nosso povo a mudar o bairro, a cidade e o país, no poder e autoridade do nome de Jesus. A realidade já dita por diferentes teólogos é que: Há poder em nossas palavras!" para jogar o povo na prostração e incredulidade, ou lançá-lo com alegria em ações missionárias que, pela fé, mudem a história. Sempre é bom lembrar que o Metodismo nasceu da fé cristã incendiária, inflamada no coração de João Wesley, pelo fogo abrasador do Espírito. Esta fé criou um movimento do Espírito de Deus, que mudou a Inglaterra do século XVIII. Por que não o Brasil do início do Século XXI? Eu creio profundamente que nós podemos ser parte desse mover de Deus na história do nosso Brasil, e atuarmos para que haja vida plena para todos os brasileiros.
Irmãos e irmãs, não podemos deixar de lado a indignação profética contra as formas de opressão que destroem a dignidade humana, da possessão demoníaca à maldade encarnada em atos como o dos políticos corruptos.
Fico feliz ao visitar nossas igrejas locais, quase todas cheias, com pessoas se convertendo, cultos que são verdadeiras festas. Quero crer que não estamos construindo com nossos cultos mosteiros, onde as pessoas vão para fugir da vida e da realidade. Este tipo de fé e celebração não é bíblica e nem cristã. Nossa festa deve produzir, sim, superação do medo, das lutas e problemas, mas acima de tudo uma renovação da visão missionária, tornando o povo metodista capaz de se engajar num movimento cristão pacífico, mas revolucionário, onde declaramos a derrota do mal e da opressão, e inauguramos o tempo da vida, onde haja fartura de justiça. Este é o desafio do Evangelho, o desafio da Missão. Afinal: "Também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela." (Mt 16.18). Nesta direção é que precisamos enfatizar o discipulado, pois só verdadeiros discípulos(as) vivem no presente século de forma sensata, justa e piedosamente.
Em Cristo,
Bispo Paulo Lockmann