Quando abrimos o livro de Gênesis, ou “livro do começo”, a narrativa nos enche de alegria e espanto, pois. ao recordar-nos cada dia da criação, nos traz à memória a natureza criada por Deus.
Em Gênesis 1.3, é dito: “Disse Deus: Haja luz e houve luz.” Ah! O sol. Que delícia! Após um longo tempo de frio e chuva, como vivi na minha terra, de repente brilha o sol, saímos à rua e sentimos aquele calor agradável que fortalece os ossos. Ou no verão, junto ao mar, levanto cedo e vejo o nascer astro-rei subindo do mar. Ah! É pura poesia, inspira e comove. Sim, o sol é obra do Deus da luz, o Criador. “E viu Deus que a luz era boa.” Sim, não há vida sem o sol.
Em Gênesis 1.6: “E disse Deus: ...Haja separação entre águas e águas.” Nasci em Porto Alegre, diferente de outros lugares, temos as águas do Guaíba a nos cercar de diferentes partes. A cidade é atravessada por diversos riachos, hoje, todos poluídos, mas como é agradável mergulhar nas águas da Pedra Redonda, ou outras de nossas praias do Rio de Janeiro. Olhar as águas aquieta a alma, tranquiliza o coração. Mergulhar nas águas energiza os músculos, o cérebro, dá uma sensação de bem-estar. “E viu Deus, que isso era bom.”
Em Gênesis 1.11: “E disse Deus: Produza a terra, relva, ervas e árvores que deem frutos.” Aprendi desde menino a conhecer ervas para os nossos chás. Havia nelas cura para tudo. Losna para fígado e estômago, quebra-pedra para os rins, jurubeba para o fígado, e tantos outros. Aprendi que tudo que precisávamos para ser curados estava na natureza. E as árvores com seus frutos, ah! Que saudade das árvores da minha infância. Passei boa parte subindo no abacateiro, na goiabeira e na pereira. O que fizeram com as nossas árvores? Tenho pena das nossas crianças que quase não veem árvores, só prédios; ou as veem de longe.
Poderia descrever o restante da criação, pois emociona, motiva. Toda natureza criada por Deus não é nossa, somos apenas mordomos do que Deus criou: “Ao Senhor pertence a terra e tudo o que nela se contém, o mundo e os que nele habitam. Fundou-a ele sobre os mares e sobre as correntes a estabeleceu” (Sl 24.1-2).
A narrativa do dilúvio mostra também Deus orientando Noé para resgatar e preservar a criação: “De toda carne, em que havia fôlego de vida, entraram de dois em dois para Noé na arca; eram macho e fêmea os que entraram de toda carne, como Deus lhe havia ordenado; e o SENHOR fechou a porta após ele” (Gn 7.15-16).
Exaltando o Criador e a criação
“...pois expusestes nos céus a tua majestade”, registra Salmos 18.1. A soberania de Deus é ilustrada nesse livro. No Salmo 19, por exemplo, há uma exaltação da natureza ao Criador: “Os céus proclamam a glória de Deus, e o firmamento anuncia as obras das suas mãos.” (Sl 19.1).
Ou a sua grandeza e juízo é exaltada pelo salmista quando diz: “Os céus por sua palavra se fizeram, e, pelo sopro de sua boca, o exército deles. Ele ajunta em montão as águas do mar; e em reservatório encerra as grandes vagas. Tema ao SENHOR toda a terra, temam-no todos os habitantes do mundo. Pois ele falou, e tudo se fez; ele ordenou, e tudo passou a existir” (Sl 33.6-9).
O culto a Deus, conforme o salmista, obedece a um processo de reconhecimento de que Ele é Deus Criador: “Fala o Poderoso, o SENHOR Deus, e chama a terra desde o Levante até ao Poente. Desde Sião, excelência de formosura, resplandece Deus. Vem o nosso Deus e não guarda silêncio; perante ele arde um fogo devorador; ao seu redor esbraveja grande tormenta. Intima os céus lá em cima e a terra, para julgar o seu povo. Congregai os meus santos, os que comigo fizeram aliança por meio de sacrifícios” (Sl 50.1-5).
Por fim, exalta o poder de Deus, dizendo: “Ó SENHOR, Deus dos Exércitos, quem é poderoso como tu és, Senhor, com a tua fidelidade ao redor de ti? Dominas a fúria do mar; quando as suas ondas se levantam, tu as amainas. Calcaste a Raabe, como um ferido de morte;com o teu poderoso braço dispersaste os teus inimigos. Teus são os céus, tua, a terra; o mundo e a sua plenitude, tu os fundaste. O Norte e o Sul, tu os criaste; o Tabor e o Hermom exultam em teu nome. O teu braço é armado de poder, forte é a tua mão, e elevada, a tua destra” (Sl 89. 8-13).
Os Salmos que reproduzem o culto, os cânticos, a poesia e a sabedoria do caminhar com Deus reconhecem que Ele é o Criador, Senhor e sustentador do universo. E nós, criaturas suas, responsáveis por sua criação, que anuncia seu domínio e poder.
Jesus e os Evangelhos – lições de meio ambiente.
Alguém poderia dizer: “Ecologia é tema dos nossos dias. O que pode Jesus e os Evangelhos dizer sobre isto?” Na verdade o que podemos encontrar são conceitos que, uma vez seguidos, ajudam-nos a cuidar do meio ambiente. Deixe-me mostrar dois momentos que nos ensinam sobre princípios de vida em comunidade.
a) A pesca maravilhosa (Lc 5. 1-11)
Essa narrativa nos confronta ao mostrar que a pesca artesanal pode sustentar milhares de famílias no mundo. No entanto, ela está acabando por causa da pesca predatória, que transformou os peixes e moluscos em produtos de enriquecimento de grandes indústrias de pescados. É a acumulação em detrimento do compartilhamento comunitário e sustentável. Veja o que chama atenção no texto: “Isto fazendo, apanharam grande quantidade de peixes; e rompiam-se-lhes as redes. Então, fizeram sinais aos companheiros do outro barco, para que fossem ajudá-los. E foram e encheram ambos os barcos, a ponto de quase irem a pique.” (Lc 5.6-7)
A pesquisa nos ensina que a pesca segue ciclos de procriação dos peixes. A grande pesca, narrada, obedece a tais períodos do mar da Galileia. A grande lição é partilhar com os companheiros a grande pescaria. Poderiam levar tudo para a praia e fazer a secagem do excedente e vender mais do que conseguiriam ao ter dividido. Essa noção de partilha comunitária mostrada no texto ainda é parte da prática das populações ribeirinha em redor do mundo. Reconheço que é também importante a pesca em navios maiores e industriais, desde que siga os ciclos da natureza, repeitando-a, sem explorá-la ao ponto de por em risco a existência de certas espécies, como as baleias.
b) A ansiosa solicitude pela vida (Lc 12.22-34)
“Por isso vos advirto: Não andeis ansiosos pela vossa vida, quanto ao que haveis de comer, nem pelo vosso corpo, quanto ao que haveis de vestir”(Lc 12.22).
Há quatro meses não como carne bovina, por razões médicas e também por propósito. Para mim, gaúcho, no início foi difícil. Agora como sem a carne o feijão, arroz, salada, de vez em quando peixe ou frango. Neste tempo quebrei o propósito, por falta de opção, poucas vezes. O que estou defendendo é uma vida mais simples. Outro dia Glaucia, minha esposa, me disse: “É impressionante a quantidade de amigos e conhecidos que tiveram ou têm câncer. Não seriam as químicas e conservantes, ou agrotóxicos?”
A verdade é que a necessidade de grandes produções e grandes lucros faz com que não meçam os meios para produzir mais alimentos, ainda que tragam riscos à saúde. Nossa saúde tem sido vítima dos grandes lucros! Junto a isso entra a advertência que Jesus fez sobre as “vestimentas”. Quando, em Mateus 10, envia os discípulos para a missão, Ele adverte: “nem de alforje para o caminho, nem de duas túnicas, nem de sandálias, nem de bordão; porque digno é o trabalhador do seu alimento” (v.10).
A corrida à monocultura do algodão não dá espaço na maioria das grandes fazendas, nem para os funcionários plantarem uma horta, feijão ou algo semelhante. Sem falar da rápida exaustão da terra. Pessoas se endividam para comprar as marcas da moda, jovens roubam ou se prostituem para usar roupas de grife. Esse consumismo está destruindo todos nós e o meio ambiente. Que mundo vão herdar nossos netos? É profundamente evangélico sairmos dessa corrida ao consumo e optarmos por uma vida simples como recomendou Jesus: “Observai os lírios; eles não fiam, nem tecem. Eu, contudo, vos afirmo que nem Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles. Ora, se Deus veste assim a erva que hoje está no campo e amanhã é lançada no forno, quanto mais tratando-se de vós, homens de pequena fé!” (Lc 12.27-28).
A razão desta reflexão é que estamos à beira do caos no que tange ao meio ambiente, cidades como São Paulo se tornam não habitáveis, há colapso em vários setores. Os dados apontam que no Brasil menos da metade dos domicílios tem conexão com serviço de esgoto, a maioria lança o esgoto in natura nas redes fluviais, contaminam os mananciais de águas. Como Igreja, precisamos nos despertar em relação ao cuidado da criação. Estamos com um grupo de trabalho que irá propor ações que levem nosso povo a cooperar com o cuidado do meio ambiente. Diante da Rio + 20, conferencia que ocorrerá em nosso meio, a Igreja precisa ser vanguarda, assumindo posturas e cuidados que cooperem para o bem-estar do nosso planeta. Deus nos ajude nesta tarefa. “A ardente expectativa da criação aguarda a revelação dos filhos de Deus. Pois a criação está sujeita à vaidade, não voluntariamente, mas por causa daquele que a sujeito, na esperança de que a própria criação será redimida do cativeiro da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus” (Rm 8.19-21).
Bispo Paulo Lockmann
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